quarta-feira, 9 de abril de 2014

Que eu nao ando só

Não misturo, não me dobro.
A rainha do mar anda de mãos dadas comigo, 
Me ensina o baile das ondas e canta, canta, canta pra mim.
O veneno do mal não acha passagem.
Me sumo no vento, cavalgo no raio de Iansã, giro o mundo, viro, reviro.
Voo entre as estrelas, brinco de ser uma. 
Traço o cruzeiro do sul com a tocha da fogueira de João menino.
Rezo com as três Marias, vou além, me recolho no esplendor das nebulosas.
Não ando no breu, nem ando na treva.
Medo não me alcança.
No deserto me acho.
Faço cobra morder o rabo, escorpião vira pirilampo.
Pessoa que eu ando só, atente ao tempo.
Não começa, nem termina, é nunca, é sempre.
É tempo de reparar na balança de nobre cobre que o rei equilibra.
Fulmina o injusto, deixa nua a Justiça.
Eu não provo do teu fel, eu não piso no teu chão,
E pra onde você for, não leva o meu nome não.
Onde vai valente?
Você secou, seus olhos insones secaram.
Não veem brotar a relva que cresce livre e verde longe da tua cegueira.
Seus ouvidos se fecharam à qualquer música, qualquer som.
Nem o bem, nem o mal, pensam em ti, ninguém te escolhe.
Você pisa na terra mas não sente, apenas pisa.
Apenas vaga sobre o planeta, e já nem ouve as teclas do teu piano.
Você está tão mirrado que nem o diabo te ambiciona, não tem alma.
Você é o oco, do oco, do oco, do sem fim do mundo.
O que é teu já tá guardado.
Não sou eu quem vou lhe dar.
Eu posso engolir você, só pra cuspir depois.
Minha fome é matéria que você não alcança.
Desde o leite do peito de minha mãe, até o sem fim dos versos.
Versos, versos, que brotam do poeta em toda poesia sob a luz da lua,
Que deita na palma da inspiração de Caymmi.
Se choro, quando choro, e minha lágrima cai, é pra regar o capim que alimenta a vida.
Chorando eu refaço as nascentes que você secou.
Se desejo, o meu desejo faz subir marés de sal e sortilégio.
Vivo de cara pra o vento na chuva, e quero me molhar.
O terço de Fátima e o cordão de Gandhi, cruzam o meu peito.
Sou como a haste fina, que qualquer brisa verga, mas nenhuma espada corta.

Não mexe comigo, que eu não ando só.

(Maria Bethânia)

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